A empreendedora Karimi Gorri, sócio-proprietária do Quintal Original da Terra, em Mogi das Cruzes, é a entrevistada desta semana do Café com Mogi News. Ela conta sua trajetória, com passagens pela área pública e na educação, enquanto cultivava o sonho de empreender. Sonho que foi realizado em 2021 com o Quintal, que reúne mercearia, café e restaurante, trazendo aos consumidores a reflexão sobre o que comemos e o impacto que causamos no meio ambiente.

A trajetória até o Quintal começou na graduação em Políticas Públicas, pela Federal do ABC. “Sempre tive muito claro que queria atuar no setor público, onde trabalhei, e em 2019, eu fiz a minha primeira transição de carreira, porque eu queria trabalhar com educação. Eu já tinha essa intenção de ir para o mercado privado, trilhando para um dia empreender", contou na entrevista.

Em 2021, quando se mudou para Mogi, onde o projeto do Quintal ganhou vida, ela concretizou seu projeto de empreender com propósito. "De uma forma ou de outra, o que me trouxe até aqui tinha um propósito, que é construir de fato um caminho que me deu toda a condição para entender o que era esse espaço que o Quintal é hoje. É educação, quando a gente fala de alimentação inclusiva, da pauta dos orgânicos, de meio ambiente e sustentabilidade, tudo isso envolve educação, política pública e o cotidiano das pessoas", ressaltou Karimi.

Confira a entrevista completa, com apoio da Padaria Tita, e também o vídeo gravado pela empresa F-Studio - Comunicação Institucional formada pelos publicitários Felipe Claro e Carla Miranda, disponível em nosso YouTube.

Café com Mogi News: Como foi o início de sua trajetória?
Karimi Gorri: Eu sou da Baixada Santista e me casei com um mogiano. Tenho uma relação com Mogi já há algum tempo, em razão de um tio que é casado com uma mogiana há mais de 20 anos. O Quintal surgiu já há muito tempo no imaginário, na vontade de empreender. Eu inicialmente cursei Políticas Públicas pela Federal do ABC. Sempre tive muito claro que eu queria ter uma interação com o setor público. Em 2019, eu fiz a minha primeira transição de carreira, porque eu queria trabalhar com Educação. Eu já tinha um pouco dessa intenção de ir para o mercado privado, fui meio que trilhando um preparo para um dia empreender.

Em 2021, eu faço a segunda transição de carreira. Nessa época, meu companheiro já estava morando em Mogi, e fazia sentido mudar também. É quando o Quintal nasce, sai do imaginário, vai para o papel e do papel vai para obra.

CCMN: Na verdade, essas coisas vão se interligando de alguma forma, até chegar nesse empreendimento?
Karimi: Exatamente Katia, acho que é esse o ponto. De uma forma ou de outra, eu acho que o que me trouxe até aqui tinha um propósito, que é construir de fato um caminho que me deu toda a condição para entender o que era esse espaço que o Quintal é hoje. É de educação, quando a gente fala de alimentação inclusiva, da pauta dos orgânicos, de meio ambiente e sustentabilidade, e envolve também política pública e o cotidiano das pessoas.

O que torna os empreendimentos diferenciados hoje em dia, e falando como consumidora, é qual é o propósito, por que que você está ali? Você está só oferecendo uma refeição, vendendo um produto sem ter um porquê? É preciso ter uma experiência para que seu cliente veja sentido naquilo, senão a gente fica só naquela troca rasa, sem ter um pouco de educação, de mensagem. A ideia do quintal é trazer um pouco desse diferencial.

CCMN: Voltando um pouco então, como surgiu a ideia do Quintal?
Karimi: Antes de estar em Mogi, eu morava em São Paulo e São Paulo é uma cidade é bem contemporânea. A gente tem estímulos e referências diversas e eu já era uma consumidora de produtos agroecológicos e orgânicos. Durante um dos períodos da minha transição, eu tive oportunidade de trabalhar como freelancer no Instituto Feira Livre, onde entrei em contato com essa pauta dos agroecológicos, de um espaço em que pudesse mostrar o que é uma agricultura familiar e o impacto que ela causa ao nosso redor. Não só na nossa alimentação, no bolso, mas de um modo geral na forma que a gente consome. A alimentação está presente o tempo todo na nossa vida.

Espaço em Mogi reúne mercearia, feira e café/restaurante
Espaço em Mogi reúne mercearia, feira e café/restaurante - Yghor Boy/Divulgação

Eu falei: ‘quando eu vou para Mogi, eu não vejo esse espaço de consumo, quando eu vou para minha cidade natal, eu não vejo esse espaço de consumo e seria muito bacana que isso fugisse da capital’.

CCMN: Você é da Baixada Santista, de qual cidade?
Karimi: Eu sou de São Vicente, originalmente, mas eu fui criada em Santos. A minha interação sempre foi muito mais com Santos e lá não tem esse espaço. A gente não entra no espaço para consumir verduras, legumes, frutas, e entende quem que produziu aquilo, como que aquilo chegou até ali, como aquele preço é composto, quem são as pessoas envolvidas nesse processo. Eu sou uma pessoa naturalmente curiosa, e acho que o que me trouxe até aqui inclusive foi a minha curiosidade.
O fato de ter feito essas transições e de ter pensado no Quintal, na essência do que ele é, foi essa curiosidade e querer passar essa curiosidade para frente. O Quintal nasceu dessa vontade de trazer algo diferenciado. Mogi das Cruzes tem meio milhão de habitantes, é uma cidade enorme. A gente está falando de uma das maiores cidades em extensão territorial, uma cidade que tradicionalmente tem famílias agricultoras.

CCMN: A cidade é conhecida como Cinturão verde, como você vê esse questão da agricultura familiar?
Karimi: Falando um pouco de política pública, um ponto muito importante para gente falar hoje sobre é a sucessão dessa agricultura familiar. O pessoal jovem não vê mais tanto sentido em continuar essa tradição familiar, e isso é uma coisa que inclusive a região deveria tentar levantar essa bandeira e o Governo do Estado. 

Eu sempre fui exigente e eu vejo como o público de Mogi das Cruzes também é. Quando transportamos isso para o consumo do final de semana, para onde que o mogiano geralmente acaba indo? Para São Paulo, porque a gente encontra muitas opções diferenciadas e falava: ‘por que não a gente trazer um pouco dessa veia para Mogi?’. Então foi tudo isso que a gente juntou, essa miscelânea de coisas para tentar formatar uma ideia do Quintal.

Na minha cabeça era muito claro que não dava para ser só mercearia e feira e não dava para ser só um café e restaurante, eu precisava de alguma forma agregar esses dois pontos, criar pontes entre esses dois mundos. Hoje se você chega no Quintal, você vai ter uma mercearia com a curadoria de produtos, que cada vez mais tem se especializado naquilo que o público exigente de Mogi busca. Hoje são mais frutas e verduras orgânicas e alguns produtos específicos de mercearia que vão muito para o autocuidado. O café é diferente, coado e feito na hora, um expresso que seja orgânico, e os doces que estejam de acordo com a sua alimentação também. O público se preocupa muito com a composição do alimento. A gente sempre vê o cliente tentando fazer opções mais saudáveis no dia a dia, e o Quintal ele tá indo nessa vertente, e aí que a gente chega na pauta da alimentação.

CCMN: Vocês tem opções para pessoas têm restrições, como glúten, diabéticos.
Karimi: Ligando um pouco essa questão da alimentação inclusiva com a parte da educação e dos orgânicos, quando a gente fala de orgânicos, é um mundo ainda muito distante. A gente sabe que é um produto que acaba sendo mais caro ainda e a ideia é que a gente desmistifique e torne isso cada vez mais acessível. É um processo de longo prazo, a nível de Brasil como um todo, mas as pessoas no começo confundiam muito orgânico, com vegano, com alimentação vegetariana. 

CCMN: Aproveitando, como é que a gente faz essa diferença?
Karimi: O público vegano são pessoas que se alimentam com produtos que não tem nada de origem animal e que, inclusive, levam um estilo de vida de acordo com isso. Por exemplo, uma pessoa vegana não vai buscar para o seu consumo um cinto ou uma bota de couro. Ela vai estar preocupada com a composição não só do seu alimento, mas das suas roupas, da decoração de casa, do seu dia a dia.

O público vegetariano são pessoas que já consomem produtos que não são de origem animal como carnes em geral, mas que abrem exceções para derivados de animais, como leites, queijos, laticínios, ovos, que chamamos de ovolactos. Muitas pessoas vegetarianas acabam migrando para o veganismo, porque existe uma tendência muito forte.

Orgânicos é algo totalmente diferente. Um produto orgânico é aquele que foi cultivado desde o seu início, desde a sua semente como um produto que não teve contato com nenhum tipo de agroquímico, de agrotóxico, ou seja, ele não sofreu nenhum tipo de invasão ou contato com esse tipo de pesticida. É um produto que ele é plantado e colhido somente na sua própria época. Não existe nenhum tipo de macete para que ele dê em épocas diferenciadas. Por exemplo, acho que o morango é uma grande referência para todos nós. O morango só dá no outono/inverno, e um pouquinho na primavera, é uma fruta, um fruto, que lida melhor com esse tipo de clima. Se você encontrar um morango no verão, pode ser que ele tenha uma produção orgânica, se você for pesquisar se ele tem certificação, mas provavelmente nos mercados convencionais são morangos que receberam agrotóxicos. Eles foram incentivados a produzirem fora da sua época.

Isso tem muito a ver com a gente, se nós estamos demandando esse tipo de consumo, o mercado nos oferece. Para que a gente diminua agroquímicos, a gente precisa também olhar para nossa alimentação e entender um pouco em cada momento que aquele produto tem sua própria época, sua sazonalidade.

CCMN: Na região, temos a produção de orgânicos?
Karimi: Temos, inclusive, de morangos. Todo mundo acha que Mogi só produz verduras, e é verdade, temos um solo que produz muito melhor verduras, mas as famílias produtoras, principalmente da agricultura familiar, estão preocupadas com o manejo da terra, porque o solo tem um tempo de vida. Se você quer produzir o tempo todo, sem entender as características, sem fazer o manejo adequado, correto e saudável, ele vai se exaurir, não vai dar produtos de qualidade. Há famílias que já estão preocupadas em fazer um controle, uma junção de culturas diferenciadas para que esse solo fique cada vez mais rico.

Em Mogi temos produção de caqui orgânico, laranja orgânica, cogumelos, que aliás, em geral sempre são orgânicos, não aceitam agrotóxicos de forma alguma. Há muitas famílias produzindo morangos em Mogi das Cruzes, temos bastante coisa.


CCMN: Você foi visitar essas propriedades, conhecer produtores para fazer parcerias para o Quintal?
Karimi: Sim, durante o processo de criação do Quintal, que foi inaugurado no dia 30 de abril de 2022. Iniciamos a obra em agosto de 2021, e foram 7 meses de trabalho, e esse foi o momento para poder fazer essa descoberta, fazer essas pesquisas e visitar essas pessoas.

As pessoas romantizam o dia a dia da vida no campo, e quem trabalha no campo tem uma rotina muito exaustiva. É muito difícil você conseguir marcar para visitar. A gente conseguiu visitar alguns, mas outros vieram graças a uma rede de compartilhamento, de colaboração que existe entre os institutos orgânicos que estão em São Paulo. Nesse núcleo há uma planilha de contatos e de referências de produtores que são certificados, que são inspecionados todos os anos, às vezes a cada semestre. Essa lista vem de uma fonte confiável e mantemos ela sempre abastecida.

Sobre a questão da educação, da política pública e de orgânicos, desde o início no Quintal estava muito claro que não poderia ter nenhum tipo de perda, fosse na feira ou na mercearia, e para isso eu precisava ter uma cozinha experimental e um café rodando junto. Hoje nada se perde, seja uma fruta que está ficando muito madura, ela vai virar um suco do dia. Tanto que se você chegar lá, você vai ver no cardápio o suco do dia e a surpresa do dia. Já tivemos suco de batata doce com morango e fez sucesso. O Quintal tem essa intersecção entre mercearia e café, estamos sempre de ouvidos atentos e vivemos na pele também, o que é você conviver com familiares que tem restrição alimentar e ver a exclusão que existe.

CCMN: O que pode levar a deixar de frequentar esses lugares, porque não vai encontrar o alimento.
Karimi: Extamante. Nós estamos em 2023, falando de restrição, e isso não é uma alimentação da moda, é uma necessidade. O nome disso é alimentação inclusiva. A gente acabou levantando essa bandeira que caiu no nosso colo e para mim faz todo sentido, envolve todas essas pautas que eu adoro, o meio ambiente, a alimentação, a educação, política pública. A ideia é fazer uma provocação positiva para o comércio de Mogi das Cruzes, e já estão aparecendo cafés que estão colocando nos seus cardápios. É isso que a gente espera, isso tem que ser normal. A gente precisa de alimentos que acomodem a todos.

CCMN: Como você vê o futuro do negócio de vocês, dessa bandeira que estão levantando?
Karimi: O Quintal vai fazer um ano no dia 30 de abril e eu vejo que o café e o restaurante vão crescer. A gente vai precisar de mais espaço, porque está crescendo e estamos super felizes. No futuro, vamos começar a conseguir também corresponder a uma expectativa e um desejo do público com soluções para eventos, conseguimos fazer uma customização com produtos sem glúten, veganos, sempre levantando também a bandeira da sustentabilidade. Eventos também geram muito lixo, e como podemos diminuir esse impacto? Usando embalagens biodegradáveis, sustentáveis. A ideia é sempre corresponder a expectativa do público, estar atento e se manter sempre atualizado.

Espaço em Mogi reúne mercearia, feira e café/restaurante
Espaço em Mogi reúne mercearia, feira e café/restaurante - Yghor Boy/Divulgação

CCMN: Finalizando, como você vê o futuro, as pessoas vão estar mais preocupadas com a alimentação melhor, em consumir produtos de origem sustentável?
Karimi: Eu já fui mais otimista. Acho que as pessoas mudam a partir da necessidade ou da oportunidade que elas têm. O que eu vejo é que grande parte do nosso público está lá por necessidade. Uma pequena parte pela oportunidade de estar consumindo também, porque conhece, porque é apresentado. Para além disso, o que mais me preocupa é quem está empreendendo, quem é empresário. Existe espaço para empreender e para abrir negócios com esse tipo de pauta. Falta é atrelar isso a história que você quer contar, ao espaço que você quer construir, porque todo mundo quer estar num lugar gostoso, acolhedor, bonito. Se o empreendedor tiver interesse em fazer isso, tem espaço e tem como você ter uma resposta positiva do público. Agora se a escolha for ao contrário, o público mogiano vai continuar indo para São Paulo, porque lá ele encontra coisas diferenciadas ou vai continuar indo para o Quintal.

(colaborou Eduarda Martins)