Atividades voltadas ao resgate da cultura dos povos tradicionais e da ancestralidade são parte do trabalho realizado no Espaço IAUÊ, em Poá. Mais do que a cultura dos povos originários, o local reúne o povo de terreiro, a Marujada, Maracatu, e outros grupos da cultura tradicional brasileira. "Estamos num espaço onde tem o terreiro de umbanda há mais de 10 anos, e temos outras parcerias. Tem muita cultura tradicional, o pessoal dos bonecos também. Somos bem originários, porque é o povo próximo da gente, mas não falamos que é só originário, até porque é mais tradicional mesmo, tem outras culturas com a gente", conta Ana Pires, que tem uma história de vida ligada ao IAUÊ. Ela é a entrevistada do novo episódio do Café com Mogi News, realizado em parceria com a Padaria Tita. 

A história do Espaço começou em 1998. "Minha mãe sai de São Paulo, vem para Poá, e acaba encontrando esse que chamamos de solo sagrado, porque é muita coisa que acontece lá. Eu cresci naquela casa. Em 2009, a minha mãe tem uma intuição e conhece uma mulher que bate em casa e diz que aquele solo que é sagrado, que viu no jogo de búzios. A casa é aberta então com candomblé em 2009. É o primeiro contato que a gente tem com a cultura tradicional", contou Ana. 

Em 2012, o local passou por uma transição, segundo Ana. "Como já temos o histórico de umbanda, acabamos fazendo a transição, e virou o terreiro da Vó Maria, que está lá até hoje. Depois, abrimos a parte de cima do terreno para sarau, exibição de filmes. Aí a cultura, aquela clássica de sarau que conhecemos, tivemos um ano ali, pelo menos".

Durante uma temporada de estudos na Bahia, em 2014, Ana começou a fazer vivências na aldeia Pequi, entre outras tribos indígenas, que abriram as portas para atividades hoje desenvolvidas. Entre idas e vindas, foram cerca de quatro anos no terrítório baiano, até que ela voltou para Poá e abriu o Espaço IAUÊ. "E eu não saí de lá, porque não tem como. A Pequi é lá da Bahia, desse território. Então, ou eu estou lá na aldeia com os meninos ou eles estão aqui com a gente também", destacou. A princípio como um centro de terapia, para poder ficar mais tempo com a filha Valentina que era pequena, com o tempo o trabalho se transformou. 

"O espaço era de terapia, vendendo produtos, fazendo uns estudos, transformando em produto o que fomos aprendendo em aldeias, que eram os cosméticos, chá, medicação, e veio a pandemia. Foi quando começamos a trabalhar mais firme com os produtos, mas o pessoal da tribo Funiwô, de Pernambuco, que são nossos amigos... porque no IAUÊ já fazíamos a acolhida do povo originário. E numa dessas, recebemos o pessoal da aldeia, que estava fazendo uma temporada conosco. Eles iam, na verdade, fazer uma temporada no SESC, tinha todo um trabalho, mas a pandemia cortou tudo", revelou Ana.  

"Não foi nem uma ocupação, foi, mesmo, tentando evitar que morresse essa nascente, fazendo o nosso serviço público. E foi ali que começou essa nova temporada. Conseguimos aprovar um projeto com lei de incentivo para essa vivência, com o pessoal da Pequi também para a construção, restauração da terra, porque era um espaço completamente abandonado. Os meninos vieram lá da aldeia, passaram uma temporada, sofreram demais, porque é muito frio, outra relação com o mundo, mas persistiram, ficaram e conseguimos restaurar bem a terra. Agora tem um plantio que fazemos com as escolas ali do bairro. A comunidade abraçou. Agora eles falam que é a casa dos índios, porque é isso, acabou gerando uma conexão", destacou. 

Vivências 

O Espaço segue recebendo os grupos tradicionais e proporcionando vivências, como explicou Ana: "Com esse novo espaço é melhor porque a gente consegue receber mais. Mas não é só o pessoal pataxó, da Pequi. Temos a Camila, que é uma parceira muito próxima nessa empreitada. Ela é uma artista caiapó também, então ela traz bastante referência dos povos originários. Guaranis já passaram por lá e fizeram uma roda de conversa com o pessoal da escola. Todo mundo está circulando".

O trabalho também é realizado junto às escolas, que são bem receptivas, segundo Ana, algo que a surpreendeu. "Nós trabalhamos com cultura há bastante tempo. Um dia fomos oferecer em uma escola do bairro e descobrimos que é isso, que acabou sendo muito mais abraçado pela educação mesmo. Então, agora as escolas nos procuram para poder fazer as vivências. Levamos oficina para dentro da escola também. Temos essa troca muito boa com as escolas do entorno da comunidade", salientou. 

"Agora a Secretaria de Educação entrou em conosco também para poder ampliar esse circuito de convivência. E a gente descobriu, nessa vivência com as escolas, famílias indígenas no bairro, que a escola mesmo não tinha consciência que tinha, a Família dos Pancararu. Estamos nessa fase, ainda, se misturando e estamos nos descobrindo como comunidade mesmo. Está bem interessante", disse Ana.. 

As vivências atraem pessoas não apenas de Poá. "Essa vivência da Pequi trouxe muita gente de São Paulo. Tivemos até visita até de pessoas da Rússia, da Colômbia. É um projeto que está tendo bastante adesão fora também. Estamos bem no núcleo do bairro mesmo, com a convivência com a comunidade e para fora. O pessoal mais intermediário, Suzano, Mogi, estamos chegando agora", contou. 

Resgate cultural

O foco do trabalho do IAUÊ é o resgate das tradições, das culturas tradicionais. "Tem sido um desafio, porque quando tivemos a ideia de começar esse ponto, que a gente chama de ponto de cultivo porque a ideia é cultivar tradições, cultivar histórias, fomos atrás da história do município, da cultura originária, qual é a nossa raiz. E é um mistério. Descobrimos que quem tem essa documentação é justamente Mogi. Então, viemos para o Centro Histórico de Mogi e começamos essa pesquisa", destacou Ana.

"Poá é uma área que não era muito demarcada. Não tem como saber a história dos bairros ainda, tem uma história mais geral, que não é responsabilidade de Mogi. Começamos essa busca, temos historiadores nos auxiliando, e acabamos descobrindo que é isso, tem muita história, mas está tudo muito ainda guardado na gaveta. Essa relação, descobrir que tem cultura originária, nós levamos isso para as escolas e elas se surpreendem. Estamos nessa fase de trazer essa reflexão para a comunidade, de falar: 'Conta para a gente qual é a sua origem'. Estamos ali, tentando desbravar ainda", disse a responsável pelo IAUÊ.

Projetos 

Nesse ano, o Espaço recebeu oficinas com povos originários e neste semestre, deve entrar um pouco na cultura de terreiro. "Temos marcada a oficina com a mãe Sílvia, que é a mãe lá do terreiro mesmo, que vai falar um pouco sobre a ancestralidade, sobre as lendas dos orixás. Vamos falar mais de umbanda mesmo, vai ter aula de atabaque e vamos começar uma oficina sobre essa busca da identidade de cada um. E temos alguns eventos marcados também, feira com a rede de mulheres, porque a ideia é que se construa junto o espaço. Então, temos umas costuras boas para fazer esse ano ainda", revelou Ana.

Pela umbanda, segundo Ana, ainda há um pouco de resistência, que vem sendo vencida, com trabalhos de aproximação com diferentes grupos e participação nas vivências: "Tem sim, não vou mentir, mas nós vamos desconstruindo isso com muito amor, com o portão aberto. E vamos trocando mudinhas, porque como tem uma horta muito grande, a gente vai compartilhando. E é só uma outra religião. É o mesmo Deus. Estamos nesse trabalho assim, no dia a dia conseguindo tirar esse peso que eles acham, desconstruir essa imagem que a comunidade tem. até porque moramos lá há muito tempo. O pessoal conhece a gente há muito tempo e sabe que não é o que eles leem e ouvem por aí".

Fomento 

Amigos, familiares e voluntários fazem a equipe do IAUÊ, de acordo com Ana, que compartilham o desafio diário para manter as atividades culturais. Os trabalhos são mantidos com leis de incentivos, como o fomento por meio da Lei Paulo Gustavo. "Até o final do ano estamos com essa grade, mas sempre em busca de parceiros. Agora tem a Secretaria de Educação que quer trazer as crianças parao espaço, isso também é uma parceria. O Sesc é um parceiro bem próximo".

"Acho que estamos num caminho muito bonito, de construir. Um caminho muito forte de fortalecer os laços, de educação e de cultura tradicional, de trazer a reflexão para todo mundo que passa por ali. A sociedade é complexa, mas tentamos fazer a nossa parte para contribuir para essa reflexão de quer construir o futuro levando em consideração o passado, com os ensinamentos dos nossos ancestrais e construir para as nossas crianças", ressaltou.

Ana define o Espaço IAUÊ como um local aberto para reflexão e culturas originárias e tradicionais. "A nossa filosofia é aquela de plantar uma árvore para que o futuro desfrute. Acho que é assim que vamos mudando a sociedade. Quando plantamos sem esperar desfrutar da sombra da árvore. E vamos trabalhando assim, semeando a infância e construindo aos poucos", concluiu.

O Espaço Iauê está localizado na Rua Epitácio Pessoa, 77 - Jardim Santa Luiza, Poá. Mais informações pelo Instagram @espacoiaue