Mais que um projeto de esportes, voltado para pessoas de todas as idades, Pedalar, criado pela educadora física Patricia Maria, trabalha a mobilidade, oferecendo a oportunidade para quem quer aprender a andar de bicicleta e também para quem deseja retomar o hábito de pedalar. Desde outubro de 2020, em meio a pandemia de Covid-19, o Projeto Pedalar vem crescendo e conquistando mais alunos em Mogi das Cruzes e região. Saiba mais no novo episódio do Café com Mogi News com apoio da Padaria Tita, com o vídeo da entrevista dividido em duas partes.
"Em 2024, ele (Projeto Pedalar) completa quatro anos, e eu fico muito feliz de poder contribuir com a cidade, promovendo a mobilidade através da bicicleta, porque ela, além de ser um veículo de propulsão humana, também agrega na atividade física. Você pode ter ela como complemento, como cicloturismo. É uma atividade bem completa, além de mobilidade pela cidade com a pessoa que usa como meio de transporte. Fico muito feliz, e fico, pelos resultados que a gente vem conquistando", destacou a profissional mogiana.
O foco principal do projeto são as aulas para quem deseja aprender ou quer retomar o hábito de pedalar. "Eu recebia muitas mensagens perguntando onde era a trilha que eu tinha ido, 'poxa, eu sei pedalar, mas não igual vocês', que queria ir para uma trilha, participar de uma atividade em grupo. Então, eu falei: 'que interessante, tem muita gente que sabe, mas não tem um grupo, uma população para poder ir junto, que confie, que seja seguro", contou a idealizadora da iniciativa, que foi vendo a necessidade dessas pessoas queriam aprenderam, fazer trilha, e o projeto foi crescendo e realizando também eventos.
Em quatro anos, cerca de duas mil pessoas passaram pelo projeto. "Dessas pessoas, algumas que retomaram, outras que se juntaram e outras que vieram e foram para outro grupo e está ótimo. A gente se encontra nas trilhas. Estamos sempre juntos. Eu recebo mensagens, eu consigo ter esse retorno. O projeto é bem amplo, não é só para crianças ou só para adultos”, ressalta.
O trabalho que começou em Mogi das Cruzes, com aulas na avenida Cívica, também ganhou a região, atraindo pessoas de cidades como Suzano, Poá e Guararema. "Penso que o projeto precisa ser levado para as outras cidades, porque o Alto Tietê já tem uma vocação para o cicloturismo. Então, imagina se mais pessoas aprenderem e conseguirem também se locomover, o que vai ser uma realidade, não tem para onde a gente correr", disse Patrícia Maria.
Desafios para os ciclistas
Um grande desafio para os ciclistas, como destacou a entrevistada, é circular por cidades, como Mogi. "A cidade ainda não está preparada para tudo que está por vir. A gente está muito aquém de outras cidades. Li uma matéria que diz que a cada dez pessoas, quatro não sabem pedalar. Então, estamos no caminho certo, estamos conseguindo. Dessas seis que sabem, três usam ou já usaram como meio de transporte. As outras três é para lazer, para um parque ou atividade que ela se sinta controlada", afirmou.
O desafio não é apenas local, como avaliou a criadora do Pedalar, destacando sua experiência em Mogi: "Não é uma realidade a nível de Brasil pensar na bicicleta realmente como meio de transporte, porque as cidades não estão preparadas. Eu falo por Mogi, porque tenho propriedade para falar. A malha cicloviária é muito pequena, e em muitos casos ela liga nada a lugar nenhum. A conservação ainda é muito precária, apesar da gente sempre estar pedindo e se comunicando, para que haja um olhar diferenciado, porque quem usa a bicicleta como meio de transporte não tem outra opção. Ou até tem opção, mas o tempo que ela gasta é tão maior que ela vai continuar preferindo ir de bicicleta".
Patricia Maria defende uma cidade mais inclusiva e pensada também para as bicicletas. "A cada novo empreendimento precisa haver uma contrapartida para a cidade, e muitas vezes a gente não tem. Eles até falam que existe, que tem, mas para onde está indo muitas vezes não fica muito claro. Eu faço parte hoje, com alguns amigos e alguns grupos, de uma associação. Nós criamos uma associação dos ciclistas, a Ciclo Mogi. E a Ciclo Mogi está no Conselho de Mobilidade e no Conselho de Turismo", contou. E por meio da associação e do projeto, segundo ela, demandas de melhorias nas ciclovias vão chegando e sendo encaminhadas aos órgãos responsáveis.
Vida no esporte
Formada em Educação Física pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), em 2000, o esporte sempre fez parte da vida de Patrícia Maria. "Na minha infância, a gente jogava bola na rua com os meninos, e depois teve o handball na escola, o vôlei, e a bicicleta sempre fez parte. Apesar de eu não ter tido bicicleta na minha infância, mas tinha os amigos que tinham, e um emprestava para o outro. Enfim, a gente acabava se virando ali. Meu pai usava a bicicleta como meio de transporte. Ele ia para o trabalho, e quando ele chegava, a gente ia dar uma volta. Minha irmã mais velha, Aparecida, uma vez ganhou numa rifa uma bicicleta de criança. Éramos eu e meus dois irmãos mais novos que usávamos a bicicleta, mas a gente acabou com ela rapidamente", relembrou a entrevistada.
Depois de uma certa idade, ela conta que fazia tudo de bicicleta, e foi aprendendo a andar na cidade de bicicleta. De Mogi, ela se mudou para a cidade de São Sebastião, na região da Barra do Sahy, por quase 10 anos. Apesar de ter carro, ela preferia circular pelo litoral de bicicleta. "Os trajetos são pequenos, então você vai pela orla. É mais rápido e mais bonito também. Nesse período foi quando fortaleceu algumas ações da bicicleta, porque lá tinha um projeto chamado 'Buscapé’, que sempre buscava voluntários para oferecer alguma atividade. Nessa época, eu comecei a minha pós-graduação em esportes e atividades de aventura e fui prestar um serviço social no Projeto Buscapé. Me ofereci para fazer um trabalho de formação de guias mirins, porque a região tem uma vocação para o ecoturismo", explicou Patricia Maria.
No projeto no litoral, a educadora física ensinou para os jovens alunos sobre a bicicleta e técnicas para 'pilotar' na cidade. No meio desse caminho, ela foi aprovada em um concurso público em Mogi e retornou para a cidade, e além da pós-graduação, fez cursos de guia de turismo e técnico em eventos.
Projeto Pedalar
Com o tempo, a vontade de voltar a ter um trabalho social foi crescendo e Patricia Maria conheceu o 'Bike Anjo', que foi o modelo de trabalho para o Pedalar, mas inicialmente o foco era ser voluntária: "Eu queria ter sido voluntária lá e não dava certo. Pensei: 'eu vou ter que montar o meu'. Eu tinha uma bicicleta e por coincidência, um rapaz lá no trabalho estava vendendo uma bicicleta e pediu ajuda - isso alguns meses antes do projeto. Acabou que eu que comprei a bicicleta e convenci o pai de um sobrinho a comprar uma bicicleta para ele, sem saber do projeto. Um dia, no meio da pandemia, que foi quando aconteceu tudo isso, eu falei: 'vou criar um projeto, vou ensinar pessoas a pedalar'. Fiquei pensando qual seria o nome, e virou o ‘Projeto Pedalar’".
O pontapé inicial foi um teste drive na Avenida Cívica com a própria família. "Peguei meu pai, minha mãe, meus sobrinhos, as três bicicletas e foi lá que tudo começou, no dia 14 de outubro de 2020. Eu coloquei na internet que a partir da próxima semana eu estaria na Avenida Cívica ensinando quem quisesse pedalar. E deu certo, porque na outra semana já tinham dois alunos, depois mais outros dois, e mais outros dois, e a coisa foi acontecendo. E eu fui publicando, fui mostrando. Eu sempre pensei que queria manter o mesmo formato do 'Bike Anjo', com aulas gratuitas, porque eu queria dar acessibilidade", contou Patrícia Maria.
O projeto, segundo a educadora física, é uma forma de retribuir o que a bicicleta e o esporte trouxeram de benefício para sua vida. "O esporte me deu muito, me deu a pessoa que eu sou hoje. Eu me formei, sou professora de Educação Física. Hoje o termo também é profissional de educação física, através do esporte. Eu tinha muito o que devolver por isso as aulas são gratuitas", destacou.
O projeto recebe doações de bicicletas, que dependendo das condições são vendidas para a manutenção das demais. "Eu comecei a receber bicicletas e algumas eu vendia, outras eu absorvia, de tamanhos diferentes, para poder fazer a manutenção. E isso eu mantenho até hoje. Se você resolve doar uma bicicleta para o projeto hoje, eu avalio se ela vai ficar ou se eu vou vender para fazer um caixa para manter as outras bicicletas, porque as quedas são constantes. Não só a bicicleta completa, mas um pé de vela ou um guidão ajudam. Eu vou montando a partir disso", explicou a criado do Pedalar.
O projeto conta com o apoio da Secretaria Municipal de Esportes para guardar as bicicletas usadas nas aulas no Ginásio Municipal Prof. Hugo Ramos, e a equipe da Mobilidade Urbana, permite que a Avenida Cívica seja fechada por algumas horas na quarta-feira à noite, quando acontecem as aulas. "A cidade entendeu que ali, às quartas-feiras, tem a atividade física da bicicleta à noite. A minha demanda é com as bicicletas. Eu tenho os itens que eu vendo para gerar renda para dentro do projeto, porque eu preciso renovar a frota de bikes", contou Patricia Maria. Também é possível fazer aulas particulares que são cobradas e ajudam na manutenção do projeto.
Outra forma de contribuição é com o seguro contra acidentes, com o valor simbólico de R$ 8,90, mas também são aceitas contribuições de qualquer valor e independentemente de pedalar ou não. A chave PIX é o CNPJ, 23.301.867.0001-82.
Os interessados em ajudar e conhecer mais podem acessar o perfil no Instagram @projetopedalaroficial e o site https://projetopedalar.com/ .
Mulheres e bicicletas
A insegurança das mulheres nas bikes também foi um problema apontado por Patricia Maria. "Já existe um desrespeito por nós, independente se você estiver de bicicleta, ou não, isso é cultural. As mulheres vêm há muito tempo conquistando o seu espaço. Não tem sido fácil, mas é interessante, porque lá atrás, quando a bicicleta foi criada por Von Drais, há mais de 200 anos, num dado momento, a mulher pôde ter acesso a bicicleta. Iimagina há 200 anos atrás, isso foi revolucionário. E foi tão libertador que elas começaram a se juntar para pedalar", contou, destacando projetos como o Saia na Noite, que reúne mulheres ciclistas para passeios noturnos na capital e a ativista Renata Fronzi, também uma referência no tema.
Patricia contou sobre uma invenção dos homens da época: a “doença cara de bicicleta”: "Mulheres brancas tinham acesso à bicicleta, mulheres negras não tinham acesso e estavam em outras funções, sabe-se bem. Então elas iam pedalar 'branquinhas' no sol, e voltavam rosadas e cansadas. Eles criaram isso e muitas foram proibidas para não ficar doentes. Por algum tempo conseguiram nos tirar de cena, mas graças a Deus muitas resistiram a essa história, e a mentira que caiu por terra".
Outro desafio eram as roupas e foi criado um vestuário próprio para as mulheres, uma adaptação para que elas pudessem pedalar. "Temos hoje uma tecnologia, uma vestimenta com vários recursos e para vários bolsos. Hoje tem um mercado muito amplo, tanto de bicicletas como de roupas. A mulher é protagonista na bicicleta há muito tempo", contou Patricia Maria, que passou parte de sua trajetória apenas admirando e querendo vivenciar as saídas noturnas de outros grupos.
Para as mulheres, ela não recomenda que pedalem sozinhas. "É sempre bom estar com alguém, independentemente de ser mulher ou não, mas para mulheres, é preferível. Quando não tenho ninguém para pedalar comigo e preciso fazer meu treino ou quero pedalar, eu procuro ir a lugares que sei que têm mais pessoas, trânsito, uma iluminação melhor. Vou no período diurno para não ter problemas, à noite, sozinha, nunca. Durante o dia eu até me arrisco, mas sempre procuro ir com alguém, caso fure um pneu, tenha um acidente, qualquer coisa, é bom estar em duplas, trios", disse a entrevistada, lembrando do assassinato da cicloturista venezuelana Julieta Hernández.
"Foi uma fatalidade, isso não é uma rotina, mas sabemos que estamos sujeitas a esse tipo de situação. Então, se possível, vá acompanhada e com equipamentos de segurança – capacete, uma ferramenta para caso precise fazer algum reparo, uma câmera reserva para poder sair de um perrengue. Fazer um curso de mecânica é legal para mulheres, é sempre bom saber como trocar um pneu, como fazer um pequeno ajuste, como sair de uma situação, pelo menos para chegar numa bicicletaria, num lugar seguro", complementou.
Planos
Um dos projetos deste ano foi a Bicicletada Cultural, realizada no início de junho, falando da cultura da bicicleta e incentivando seu uso. "A bicicleta não é só para trilha ou urbana, são vários braços da bike. É legal porque conseguimos falar um pouco de cada coisa e também incentivar os pequenos para a iniciação esportiva. As telas tem sido um grande problema para as famílias, então a bicicleta é uma opção muito boa. O evento teve competições, bate-papo, palestras, enfim. Para o segundo semestre, tem o Giro Cultural, que promovo para incentivar o cicloturismo, o turismo rural", antecipou a entrevistada. O evento deve ser em agosto, aproveitando para uma visitação durante o Festival de Cerâmica, realizado no Casarão do Chá.
Nas sextas-feiras, Patricia Maria promove o Pedal Treino para iniciantes que desejam melhorar a sua performance, e em alguns finais de semana, são realizados 'pedais' com mais extensos. O Projeto Pedalar também é inclusivo, atendendo autistas e pessoas com deficiência visual.
"Essas bicicletas que eu tenho hoje servem ali, mas elas não me possibilitam percursos maiores. Esse trabalho para o segundo semestre está focado em mais saídas, nos pedais treinos de sexta-feira, no Giro Cultural que está na agenda da programação e mais o aniversário do projeto, que acontece em outubro. Tem bastante coisa vindo aí, sempre pensando que eu quero muito que a nossa cidade seja conhecida como uma cidade que pedala, uma cidade que usa uma bicicleta, que tem uma mobilidade. Inclusive, a Rota da Luz sai de Mogi, tanto por peregrinos como por 'bicigrinos', que são os ciclistas. Então, a cidade tem essa vocação, precisamos estar mais preparados. Eu faço parte do Comtur (Conselho Municipal de Turismo), e a gente tem procurado fazer com que o nosso turismo seja mais visto em outras cidades, e que Mogi seja destino de bikes. Eu estou fazendo minha parte, colocando o pessoal para ir pedalar. É sobre tudo isso e eu torço para que a gente consiga mais pessoas", finalizou.
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