O Café com Mogi News desta terça-feira (25), entrevista o educador físico Ivan Oliveira, Mestre e Doutor em Biotecnologia, com ampla experiência na área do envelhecimento, promovendo a atividade física e a qualidade vida para pessoas idosas. Ele destacou a importância da manutenção da capacidade funcional, independentemente de qual doença a pessoa idosa apresente.
O caminho apontado por ele para manter-se ativo e funcional, com capacidade para realizar as atividades da vida diária, é o exercício físico. O que se torna ainda mais fundamental diante dos principais fatores que se perde no envelhecimento é a perda da massa muscular, chamada de sarcopenia, e a perda da força muscular, a dinapenia. Saiba mais nesta entrevista especial com apoio da padaria Tita.
Café com Mogi News: Você hoje atua no Pró-Hiper, em Mogi das Cruzes. Qual a importância da atividade física na terceira idade?
Ivan Oliveira: Quando a gente fala de envelhecimento é manutenção da capacidade funcional, independente da doença que cometa esse idoso. Hoje a ciência sabe que a única maneira de um indivíduo se manter funcional, conseguindo realizar as atividades de vida diária é através do exercício físico. O exercício físico é fundamental para o idoso manter sua capacidade funcional, ou seja, manter as suas atividades de vida diária com qualidade.
Quando falamos de exercício físico, principalmente o exercício de força, um dos principais fatores que se perde no envelhecimento é a perda da massa muscular, que chamamos de sarcopenia, e a perda da força muscular, que chamamos de dinapenia. Quando perdemos essas duas características, perdemos a capacidade de executar as tarefas do dia a dia.
CMN: Como você mesmo comentou, a questão da atividade física ela também aumenta a autoestima da pessoa idosa?
Oliveira: Com certeza, nós estamos em um mês muito importante que é o Junho Violeta (referência ao mês em que foi gravada a entrevista), que é um mês que se destina ao combate à violência contra a pessoa idosa, a violência social e ao abandono. O exercício físico entra como um acolhimento a essa população, e além de sanar as características fisiológicas a gente observa que o idoso que é acometido por um programa de exercícios, ele tem uma possibilidade maior de acolhimento.
CMN: No Pró-Hiper, quais são as principais frentes de atuação?
Oliveira: O Pró-Hiper, eu acredito, que é o principal programa de saúde pública e promoção de saúde em Mogi. Hoje nós temos três grandes vertentes: a hidroginástica terapêutica, musculação terapêutica e o exercício físico multicomponente terapêutico. O exercício físico multicomponente entrou há pouco tempo no nosso programa e vem como um fator principal.
A gente publicou vários artigos mostrando que o exercício físico multicomponente, é mais barato, por exemplo, que a musculação terapêutica, atingindo o número maior de pessoas. Como a gente pretende cada dia atingir mais idosos na cidade, ele veio como uma frente importante porque conseguimos atender um número grande de idosos com um único profissional de educação física. Hoje a gente tem basicamente essas três vertentes: musculação terapêutica, hidroginástica terapêutica e o exercício físico multicomponente.
CMN: O sedentarismo para a pessoa idosa é um grande problema? Como a gente atua para tirar a pessoa idosa dessa condição?
Oliveira: O sedentarismo hoje é um grande problema mundial. Eu costumo dizer que o sedentarismo é um dos principais fatores para o óbito prematuro no mundo. Então tirar o indivíduo do sedentarismo, independente dele ser idoso ou não, é uma característica cultural e nós precisaríamos de uma força-tarefa muito grande do poder público, com campanhas educacionais para mostrar para a população no geral que o simples fato de você iniciar uma atividade física, você tem uma menor probabilidade de riscos de uma morte prematura.
Temos que separar o que é a atividade física e exercício físico. O simples fato de um indivíduo começar uma atividade física, ou seja, subir alguns degraus de escada, ir até o ponto de ônibus, caminhar um pouquinho no parque, esse simples fator já diminuiu o risco de comorbidade dessa pessoa.
CMN: Mas tem aquela questão também que você até comentou do abandono, muitas vezes o próprio abandono ele acaba promovendo o sedentarismo dos idosos?
Oliveira: O abandono é uma característica muito forte hoje na população idosa, independente de classe social. Então educar as famílias que acolhem essas pessoas idosas para mostrar a importância da atividade física para manutenção da capacidade funcional dessas pessoas é extremamente importante, e mostrar para essas famílias e para o poder público que o idoso ativo, pensando economicamente, ele é um idoso mais barato.
Se eu tenho uma população idosa mais ativa, eu tenho um fator econômico social e de saúde com menor custo. Quando você tem vários idosos ativos em um único local, você precisa de menos infraestrutura para cuidar. Se eu tenho idosos mais acamados, com maior incapacidade funcional, eu preciso de uma estrutura maior que carece de um recurso financeiro maior para o próprio poder público.
CMN: A gente estava comentando aqui antes de iniciar a gravação, o boom da população idosa no Brasil. Como estamos do ponto de vista de estrutura familiar e de políticas públicas?
Oliveira: Complicado! Muito difícil. Estima-se que, no máximo, em 20 anos a nossa pirâmide demográfica inverterá por completo, ou seja, a gente vai ter um maior número de idosos e um menor número de pessoas jovens. A gente vê que o poder público ainda vem engatinhando em relação a isso em todas as frentes, no social, na saúde pública. É óbvio que se a gente comparar a duas décadas atrás houve uma evolução, mas uma evolução em pouca escala tanto de âmbito municipal, estadual e federal.
A gente precisa educar a população jovem em relação ao processo de envelhecimento, porque a gente vai ver uma grande escala tanto no ambiente de trabalho, quanto no ambiente cultural, de saúde pública e de inserção dessas pessoas no âmbito social de acolhimento.
CMN: Você comentou do âmbito municipal. Falando de Mogi das Cruzes e Alto Tietê, como você enxerga a atuação na promoção do bem-estar da pessoa idosa?
Oliveira: Eu já atuei em algumas cidades aqui da região em relação a isso. O Pró- Hiper hoje tem uma fila de espera. A gente ainda é a única cidade da região que tem um centro de exercício físico terapêutico que atende uma grande quantidade dessas pessoas. Nós tínhamos um centro de idosos em Poá também público, onde eu atuei por 18 anos, mas infelizmente depois da pandemia, ele não foi reaberto pelo poder público e não existe. Nós atendemos mais de 1.500 pessoas. Entre as cidades da região, Mogi das Cruzes tem um passo à frente em relação a essa característica da promoção e prevenção de saúde, porque o Pró-Hiper é um grande centro, e apesar de algumas dificuldades, consegue ainda acolher um número grande de pessoas.
CMN: A própria Unai (Universidade Aberta à Integração) também tem um trabalho assim.
Oliveira: Sim, porque quando pensamos na população idosa, a gente tem que pensar em várias frentes, na definição de saúde, que é um bem-estar físico mental e social. Então você precisa através dos programas acolher essas três vertentes.
CMN: Falando um pouco de você, como foi esse despertar, essa vontade de trabalhar como educador físico justamente com a pessoa idosa?
Oliveira: Eu cheguei na Faculdade de Educação Física pensando em trabalhar com alto rendimento, eu fui atleta de voleibol. Minha ideia era ser um fisiologista do alto rendimento, mas no terceiro ano da faculdade eu fui fazer um estágio em aprimoramento, reabilitação cardíaca no Instituto do Coração e foi onde eu tive o primeiro contato com essa relação do exercício como terapêutica. Ali me despertou para terceira idade e eu acabei tendo contato também no Hospital das Clínicas e a pós-graduação em Fisiologia do Envelhecimento.
Eu comecei a verificar a possibilidade que eu poderia mudar a vida das pessoas através do exercício e acolher essa população, associado ao mercado de trabalho mesmo. Na década de 90, no começo dos anos 2000, se falava muito pouco disso, mas com uma projeção muito grande que as pessoas até muitas vezes não acreditavam. E eu resolvi surfar nessa onda e entrei em 99 para 2000. Eu comecei a abraçar o envelhecimento mesmo e estou há 20 anos mais ou menos na área.
CMN: Você nem chegou a trabalhar com a questão de alto rendimento?
Oliveira: Comecei a trabalhar no início da minha carreira no voleibol de Suzano como preparador físico de uma equipe feminina, e logo em seguida, eu já migrei para a população idosa. Consegui o meu primeiro paciente, o meu primeiro cliente foi trabalhar neste Centro Público em Poá, e lá eu implantei esse programa de exercício físico multicomponente e não saí mais.
CMN: Você realiza atendimentos individualizados para pessoas idosas? Como é esse trabalho?
Oliveira: Hoje eu tenho uma empresa chamada Home Care Movement & Sênior, onde a gente atende essa população a domicílio. A população idosa, principalmente a população mais frágil, o idoso mais longevo que é aquele idoso acima de 80 anos, ele se adapta muito bem ao programa que leva um acolhimento do seu lar. Quando você pensa num programa de prescrição de exercício para a população idosa tudo vai depender de algumas vertentes. Você precisa de uma boa avaliação, que eu chamo de ‘avaliação clínica cinético funcional’, que vai identificar as principais fisiopatologias desse indivíduo e a capacidade funcional.
Existem protocolos válidos hoje internacionalmente em cima dessas variáveis para montar a prescrição de exercício de acordo com as diretrizes que norteiam a prescrição de exercício. A gente usa muito a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Sociedade Brasileira de Cardiologia e um jornal de Ortopedia e Traumatologia internacional, porque essa população ela é acometida pelas doenças crônicas não transmissíveis, tanto osteoarticular quanto cardiovascular. Você faz esse compilado de informação e em cima disso, monta a prescrição.
CMN: Você comentou o poder da atividade física e da musculação como terapia, como é isso?
Oliveira: Para você ter uma ideia hoje o exercício físico é o tratamento não farmacológico mais indicado para a maioria das doenças. Ele é capaz de modular a pressão arterial igual um tratamento medicamentoso. Sem citar marcas, mas você tem remédios que reduzem a pressão arterial por até 24 horas, e em uma única sessão de exercício, desde que prescrita para esse fim, tem a capacidade também de reduzir a pressão arterial por até 24 horas. O exercício físico hoje é capaz de reduzir o marcador inflamatório que foi a minha tese de mestrado, por exemplo.
O exercício físico é capaz de reduzir a glicemia, de promover a angiogênese, quando há um aumento no número de vasos, e consequentemente, consegue cuidar da parte cardiometabólica desse paciente. O exercício físico é capaz de modular as mesmas variáveis que a ação medicamentosa. A maioria dos idosos são polifarmácia, que é aquele idoso que toma mais de cinco medicamentos por dia. A gente sabe que esse idoso introduzido num programa de exercício terapêutico pode manter esse número de polifarma que já é uma grande vantagem, ou muitas vezes, ele pode ter reduzir o número de medicamentos.
CMN: A gente tem uma cultura hoje muito forte de farmacologia, qualquer problema a gente recorre ao remédio e a atividade física, ela vem justamente então nessa supressão.
Oliveira: Isso que você falou é interessante, eu circulo muito na área médica, tenho amigos médicos, colegas médicos e a gente discute muito sobre a cultura medicamentosa do brasileiro. Um caso bem interessante de um médico amigo contando que um senhor entrou no consultório com uma crise hipertensiva e eles fizeram todos os exames. Ele falou: ‘O senhor tem apenas uma crise hipertensiva. Então o senhor precisa cuidar um pouquinho da alimentação e entrar num programa de exercícios que as coisas vão se resolver’. E o senhor disse: ‘Como assim, doutor, o senhor não vai me prescrever um remédio da hipertensão?’. Então é uma característica cultural da população brasileira dessa ação medicamentosa, e aí vai naquele fator de educação de saúde, que precisa vir lá do banco escolar, que é uma coisa que infelizmente a gente não vê.
CMN: E voltando agora um pouco para o seu mestrado para o seu doutorado em biotecnologia. Como que essas duas coisas conversaram na sua carreira: a população idosa e a biotecnologia?
Oliveira: Eu na época da graduação, sempre tive a vontade de ser um professor universitário, e eu queria muito. Eu fiz os meus projetos de introdução científica, mas uma coisa que eu queria muito dentro do mestrado e doutorado era não estudar o modelo animal, eu queria estudar a população propriamente dita. Eu conheci o Dr. Miguel Luiz Batista Júnior, que foi o meu orientador e se tornou meu amigo. Ele tinha um laboratório que estudava só com um modelo animal o envelhecimento e o marcador inflamatório.
Quando eu cheguei para a entrevista, para as provas, coordenando um centro de idosos com mil, 1.500 idosos, a gente uniu as duas coisas: estudar o efeito do exercício físico e da inflamação no envelhecimento, mas no humano. Então consegui associar o trabalho que eu já fazia, conseguindo contribuir um pouquinho melhor para a ciência, com um modelo humano, com um número de voluntários muito grande. Acho que foi o fator positivo da história.
CMN: Na época você estava com essas mil pessoas em Poá?
Oliveira: Isso, idosos de Poá. A gente conseguiu fazer as coletas tanto da dissertação do mestrado, quanto da tese de doutorado nesse local, e verificamos o efeito do treinamento físico na redução desses marcadores inflamatórios nessa população. A gente observou que em oito semanas de um programa de exercício três vezes por semana, eles foram capazes de reduzir a citocinas que são esses marcadores inflamatórios. Depois de 16 semanas esses idosos, eles eram menos inflamados comparados a um grupo de controle, ou seja, um grupo que não fazia exercício. A gente conseguiu mostrar que o exercício físico reduz a inflamação sistêmica e pode contribuir para as doenças crônicas não transmissíveis, como artrose, artrite, hipertensão, diabetes, e as doenças cardiometabólicas.
CMN: Como foi sua atuação como professor universitário?
Oliveira: Sim, eu atuei por 10 anos na graduação, lecionei na UMC, na Unisul, na Unipiaget, e hoje eu leciono em pós-graduação. Estou um pouquinho distante da graduação, me dedicando mais as minhas empresas. Lecionar na graduação era a vontade também de mostrar para os estudantes esse caminho do envelhecimento, que ainda infelizmente a gente tem pouca procura. Hoje na Home Care Movimentos & Sênior os educadores físicos que atuam comigo foram todos ex-alunos que passaram por mim e fizeram um estágio comigo. Eu consegui de alguma forma acender essa chama do exercício terapêutico, então eu acho que foi de grande valia.
CMN: Nas suas aulas,você busca puxar um pouco para esse lado da questão do envelhecimento e como é entre os próprios professores?
Oliveira: O envelhecimento no mundo universitário engatinha. Para você ter uma ideia, no curso de Educação Física hoje a disciplina de Envelhecimento tem 20 horas, é muito pouco, é uma crítica construtiva que eu faço ao meio acadêmico. Em todas as áreas de saúde, a cadeira de envelhecimento ainda é muito pequena. Como pode uma cadeira tão pequena com um nível de envelhecimento tão grande? Eu costumo dizer e eu não tenho medo de errar, que o profissional de educação física e de fisioterapia, que são os dois grandes profissionais de movimento, que não aprenderem a trabalhar com envelhecimento, eles estarão fora do mercado. A grande fatia do bolo daqui para frente, não vai ser ela já é a grande fatia do bolo.
Você observa que a grande massa dessas duas grandes profissões ainda não está preparada para trabalhar com envelhecimento. A fisiologia do envelhecimento é uma coisa completamente diferente, não é adaptar um exercício para o idoso, é entender a característica clínica. Ele pode até fazer o mesmo exercício, mas com intensidades e volumes completamente diferentes. Vamos dar um exemplo clássico: a musculação em si deveria ser a principal atividade para um idoso, porque o grande problema dele é a perda da massa muscular e a perda da força entretanto, porém a gente vê que por exemplo a grande massa do mundo fitness, não está preparada para receber essa população com as comorbidades, as características psicobiológicas que essa população tem, e isso acaba afastando essa população desse meio. Então é um grande gargalo.
CMN: Nos seus atendimentos, você sente diferença na questão do cuidado que a pessoa idosa tem para com ela mesmo, no sentido entre homem e mulher?
Oliveira: Muito. Se você pegar toda a relação de saúde e comparar homens e mulheres idosas, a grande maioria são mulheres. A mulher tem mais o hábito do cuidado com a saúde. Se você for no centro público de saúde de idoso, no Pró-Hiper, por exemplo, você vai ver que 80% das pessoas frequentadoras são mulheres. Se você for lá no Fit Sênior, na minha na minha unidade em Poá, nós temos 151 idosos realizando exercícios físicos, e desses 150 idosos, 120 idosos, mais ou menos, são mulheres. A mulher procura mais o serviço de saúde, mais a promoção, prevenção e até a medicina curativa. Esse é um dos fatores porque a mulher vive mais que o homem.
CMN: É uma questão cultural?
Oliveira: O homem não tem esse hábito do cuidado com a saúde desde pequenininho. A mulher não, desde nova, ela vai no ginecologista, faz as suas consultas rotineiras, e o homem não. Então ela vai arrastando essa característica até chegar na terceira idade, quando ela é muito mais proativa para os cuidados com a saúde.
CMN: Agradeço muito pela sua participação. Quais são os seus contatos?
Oliveira: Obrigado! Hoje eu tenho a Home Care Movement & Sênior, que é uma empresa de prestação de serviço a domicílio, onde a gente leva para a população idosa o exercício físico, a fisioterapia e o cuidado e o serviço de cuidadores. Quem tiver interesse pode entrar em contato pelo meu telefone, que é o 95540-5898, e a minha página no Instagram que é @dr.ivanoliveira. Eu sou sócio-proprietário da Fit Sênior em Poá, que é um centro de exercício físico terapêutico para idosos, que fica na rua Ilo Ottoni, 232, na Vila Monteiro.
*Texto supervisionado pelo editor.