O Café com Mogi News desta quinta-feira (15), data marcada pelo Dia Mundial de Conscientização sobre a Violência contra a Pessoa Idosa, traz a continuidade da entrevista especial com Juraci Almeida, presidente do Conselho Municipal do Idoso (CMI) de Mogi das Cruzes e diretora da Universidade Aberta à Integração (Unai). Neste segundo episódio, ela destaca a necessidade de inclusão digital, de mais investimentos e políticas públicas e também o combate à violência contra pessoas idosas. A entrevista foi dividida em dois episódios, com o primeiro deles publicado na última terça-feira (13).
"Nós temos dados do Disque 100 que mostram que a violência acontece dentro da própria família e a violência não só a violência física, como também a violência psicológica. Uma das piores eu imagino, porque ela é muito silenciosa, é aquela que o soco vem da fala quando se diz: 'Você é idoso, você já passou da hora de morrer, não serve para mais nada'", pontuou Juraci na entrevista. Saiba mais neste segundo episódio com apoio da Padaria Tita. A gravação foi realizada pela empresa F-Studio - Comunicação Institucional formada pelos publicitários Felipe Claro e Carla Miranda.
Café com Mogi News: Estando à frente do Conselho do Idoso, você sente hoje que a pessoa idosa faz parte do Orçamento do município?
Juraci Almeida: Eu diria que ela não faz parte e nunca foi muito diferente disso. As coisas ao invés de estarem melhorando estão piorando, e a verba voltada para pessoa idosa tem sido cada vez menor. Tudo que inaugurar ainda não vai chegar porque estamos muito atrasados. A gente acabou aprendendo a se contentar com o pouco, mas não pode ser dessa forma. Falando de Mogi das Cruzes, temos um cenário muito triste de pessoas totalmente isoladas dentro de casa, com depressão, totalmente dependentes, e não é isso que nós queremos. Nós queremos realmente jovens de cabelos brancos, e nós precisamos dar estrutura para que esse jovem possa cuidar da sua saúde, fazendo atividade física, indo para uma universidade, voltando a estudar, isso é super importante.
Falando da questão da tecnologia, não se pode esquecer que nós temos uma população significativa dentro de Mogi das Cruzes que não tem acesso à tecnologia, é totalmente analfabeto na parte de letramento de digital. Como você introduz a tecnologia e não ensina as pessoas a usarem? É fundamental uma didática para a pessoa idosa. Na questão do analfabetismo, temos um número vergonhoso aindano município, porque é colocado o EJA (Educação de Jovens e Adultos), tem alfabetização, mas é para jovens e adultos, não tem uma pedagogia voltada para a população idosa. Quando você pensa em alfabetizar uma pessoa idosa, primeiro tem que pensar num curso em horário diurno e não noturno, e realmente numa didática totalmente voltada. Há diferenças básicas, como a coordenação. Pensa na mão de um jovem e pensa na mão do idoso. Como eu consigo escrever, se eu não trabalhar isso? Você vê que a população idosa está excluída da maioria das políticas públicas.
CMN: E a política precisa chegar até a pessoa idosa, porque muitas vezes há dificuldade de mobilidade dessa pessoa, é uma questão também ou não?
Juraci: Sem dúvida, muito importante. Todas as políticas precisam ser descentralizadas. Nós temos que ter a política em todos os territórios. Vamos falar de um projeto maravilhoso que está precisando realmente de uma atualização, de uma reestruturação, inclusive de estrutura, que é o Pro-Híper. Assim com o Vila dignidade, que agora tá ficando super legal, com um investimento significativo e a reforma de todas as casas, o Pro-Híper precisa de reforma. Tem goteira por todos os cantos, uma piscina que aquece um dia e fica três parada para voltar a aquecer. As coisas têm que ser feitas com qualidade, e a impressão que eu tenho é que como é para idoso, qualquer coisa serve. Não pode ser assim. Nós ajudamos a construir esse país. Não podemos aceitar o idadismo dentro do nosso município e é isso que nós temos visto, que só jovens e crianças são importantes, que criança é investimento e idoso é despesa. Não, não é assim.
Nós vamos pagar um preço muito mais alto do que já estamos pagando hoje e não é justo. Nós temos idosos numa fila, que eu costumo dizer, que é a fila da morte. Falo isso e repito publicamente, porque não tem vaga, ele sai para o cemitério e não por uma casa de repouso. Hoje nós temos uma lista de espera para uma casa de repouso, para você ver como faltam políticas públicas. E por que faltam políticas públicas? Porque falta dinheiro. O idoso está no discurso, mas não está no Orçamento.
CMN: Agora uma questão que que acredito que vai ao encontro desse debate que é justamente a violência contra a pessoa idosa. Quais são as maneiras que elas se manifestam no dia a dia?
Juraci: Nossa, são tantas. Uma delas que já elencamos infelizmente está dentro da própria família. Nós temos dados do Disque 100 que mostram que a violência acontece dentro da própria família e não só a violência física, como também a violência psicológica. Uma das piores eu imagino, porque ela é muito silenciosa, é aquela que o soco vem da fala quando você diz: 'Você é idoso, já passou da hora de morrer, não serve para mais nada'. isso dói muito numa pessoa idosa.
Quando você vai para o mercado de trabalho e as pessoas olham e vêem que você já tem alguns cabelos brancos, você já está descartado da seleção, quando tem tanto ainda para contribuir, então isso é uma violência, a violência psicológica. Nós temos também a violência financeira, quando a própria família deixa de investir na pessoa idosa, investir no sentido de levar ao médico, de comprar remédios, do bem-estar mesmo, como não levar para uma viagem por exemplo para economizar um dinheiro que não é seu, mas você já tem como se fosse uma herança. Herança é quando o outro morre, e nem morreu, você já está guardando, mas como assim? Não é sua, é daquela pessoa, foi ela que trabalhou, que construiu então, vende para dar qualidade de vida para essa pessoa.
Eu, todas as terças-feiras, faço um trabalho de chamar as famílias antes de mandar o caso de violência contra a pessoa idosa para o Ministério Público, para a Defensoria. A gente tenta conversar com a família e isso tem dado um resultado muito positivo, mas, por vezes, eu saio arrasada de ver que o que a gente pensa que era só uma letra de música, que uma mãe é para sete filhos, ou um pai é para sete filhos, e sete filhos não é para um pai ou para uma mãe é muito verdadeiro.
CMN: E nesse sentido de que forma a Unai atua para trazer essa integração?
Juraci: Nossa, é maravilhoso, não só porque eu realmente atuo profissionalmente nessa universidade já há 22 anos, mas porque eu vejo o resultado. A Unai é isso, é educação para envelhecer com qualidade de vida, é um educar-se, é investir na própria pessoa idosa. Eu falo que a Unai não serve para mais nada a não ser para o próprio aluno. Ele vai ter novos olhares, vai se atualizar sobre como envelhecer com qualidade de vida, seja na parte de educação nutricional, seja em direito e cidadania. Como é que você vai exercer a sua cidadania, se você não conhece os seus direitos? Direitos da mulher, direito do consumidor, direito de família, que é uma coisa assim que me encanta dentro da política, entender como funciona a política.
CMN: E os próprios Conselhos.
Juraci: Sim, os próprios Conselhos. As pessoas não sabem nem o que é política pública, porque política está muito ligada à política partidária, mas eu estou falando de política pública. Os gestores têm que entender que um Conselho tem que ser sempre independente do partido que está ali, tem sempre que cobrar, é uma contribuição, é uma colaboração que os Conselhos fazem. Quando ele critica, são críticas construtiva, olha precisa atuar. Precisa investir realmente na saúde, e o esporte é fundamental, não sou eu que estou dizendo isso, é a Organização Mundial de Saúde.
A Unai traz isso, porque ela trabalha não só a parte intelectual, com novos conhecimentos e atualização, como também com atividade física e o convívio social. A pessoa idosa tem esse pertencimento. Eu faço parte do grupo Unai, faço parte de uma universidade. Olha que coisa maravilhosa, basta que você seja alfabetizado, e você tem condições de entrar na Unai. Se não fosse a questão financeira, eu diria para você que seria para o acesso de todos. As pessoas também precisam investir em si, não se deixe levar por esse consumismo maluco que tem hoje, invista em você. Eu vejo muitas pessoas dizendo: 'Eu tenho que ajudar meu neto'. Para que? Quem tem que ajudar é a mãe, você já fez a sua parte. Ajude, mas pense em você, invista em você.
Uma das coisas que a gente fala muito dentro da Unai e trabalha é a questão da autoestima, de você se valorizar, invista em você agora. Agora é hora de você realmente viajar se esse é o seu sonho, mas um sonho para ser realizado precisa de um plano, e o que que você está fazendo para isso? Quando eu falo em viagem, eu falo de uma política maravilhosa que a gente tem que é o transporte interestadual gratuito para quem ganha até dois salários mínimos. Você tem direito a passagem gratuita para ir para qualquer lugar, então faça uso.
CMN: Fica o convite para conhecer a Unai e acompanhar o Conselho.
Juraci: Gosto sempre de falar e alertar a pessoa idosa. Fica o convite para que venha fazer parte da Unai, porque eu acho que isso tira do isolamento e quando tira do isolamento, tira da depressão. A gente vê muitas pessoas idosas deprimidas, e você vai ter oportunidade realmente de fazer um novo círculo de amizade dentro de um ambiente universitário, porque tem toda essa integração. Você já vai fazer atividade física, vai trabalhar a memória. Está todo mundo com medo do Alzheimer, mas eu falo que enquanto você não tiver guardando o tênis na geladeira, você não tá com Alzheimer, é muito comum as pessoas esquecerem do nome, é maneira de brincar com isso.
O assunto é muito sério, a população idosa vem crescendo aceleradamente, vem um tsunami por aí, e nós já ultrapassamos os 15% no país, vamos chegar aí nos 30% de população idosa. Pensa o que será isso sem políticas públicas voltadas para esses segmentos, será realmente eu acho que um barril de pólvora, que está para explodir.
(Colaborou Joyce Canele, Eduarda Martins e Katia Brito)