O Café com Mogi News desta terça-feira (20) entrevista Beatriz Andari, gestora do Instituto Julio Simões, braço social do Grupo Simpar. Parte da história de Mogi das Cruzes, o grupo empresarial hoje tem atividades em diferentes localidades do Brasil e em outros países. Bia, como é conhecida, é advogada mas tem a carreira dedicada ao Terceiro Setor. Depois de um período avaliando projetos na América Latina pela Fundação Getúlio Vargas, voltou a fazer parte da equipe do instituto em 2021. Ela e sua equipe são responsáveis por ações sociais internas, envolvendo os colaboradores, e também a comunidade no entorno das unidades do Grupo Simpar.

Um dos destaques do trabalho é o Centro de Memória, um museu que conta a história do fundador do Grupo Simpar, o empresário Júlio Simões, que morreu em 2012. Em parceria com a rede de ensino de Mogi das Cruzes, o espaço deve receber neste ano mais de 3 mil estudantes no projeto "Você quer, você pode", inspirado na história de superação do fundador.

O Instituto também investe na formação e a gestão de voluntariado, desde 2007, por meio do programa Júlio Cidadão. Um dos locais abraçados pelos doutores palhaços, que visitam hospitais e instituições para pessoas idosas, é a Vila Dignidade, condomínio para idosos vulneráveis, que fica em Mogi. Saiba mais nesta entrevista especial, feita em parceria com a Padaria Tita.

Café com Mogi News: Como você iniciou no Terceiro Setor e como é sua trajetória no Instituto Julio Simões?
Bia Andari: Eu sou formada em direito, mas sempre fui encantada com projetos sociais. Fiz a transição de carreira quando depois de uma pós voltada para História Econômica na América Latina. Acabei fazendo um trabalho na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro de avaliação de projetos na América Latina e me encantei. Estou desde então trabalhando com isso.

Eu tenho dois períodos diferentes no Instituto Júlio Simões. Entre 2010 e 2012, eu tive o prazer de trabalhar lá e sai por uma questão pessoal. Eu tive a felicidade de ser convidada para voltar em 2021. Eu saí do Instituto, mas ele nunca saiu de mim e estou lá desde então.

CMN: Como é o trabalho do Instituto?
Bia: Seu Júlio e a Dona Elvira Simões sempre tiveram uma atuação social. Por exemplo, eles fundaram um asilo aqui em Mogi em 1999 e até hoje a gente ajuda a manter esse asilo com capacidade para até 40 idosos de baixa renda, em César de Souza. Isso sempre fez parte da vida deles. Em 2006, o Instituto foi fundado e as ações sociais começaram a ser realizadas. Hoje, o Instituto Júlio Simões é o braço social do Grupo Simpar, que aqui em Mogi todo mundo conhece carinhosamente como Júlio Simões.

O Grupo Simpar tem sete empresas, dentre elas a JSL, que é a antiga Júlio Simões. Nós realizamos alguns trabalhos hoje em dia mais focado no social. A gente tem algumas linhas de atuação, como a preservação do acervo e da história do Grupo, com um museu aqui em Mogi que conta a história do seu Júlio das empresas.

CMN: O museu é aberto para visitação?
Bia: A gente recebe colaboradores e famílias por enquanto. Nós temos um projeto em que estamos recebendo crianças do Ensino Fundamental de Mogi, chamado “Você quer, você pode”. Esse ano a previsão é receber 3.200 crianças da rede municipal. Crianças do quarto ano, que têm em média 10 anos de idade. Elas vem para conhecer o nosso museu, conhecer a história do seu Júlio e se inspirar porque é uma história de superação.

CMN: E conhecem também a história de Mogi? 
Bia: Sim, elas vão se interligando. A visita é muito bacana,  porque o seu Júlio veio de Portugal no entre guerras, então tem um lado de história geral, da imigração para o Brasil. Depois vem para Mogi, e conhece um pouquinho da história da cidade. A ideia principal desse projeto é a partir do seu Júlio que teve uma história de superação, ele só estudou até o 3º ano do atual do currículo, mas ele se fez. O que que a gente quer passar para essas crianças, é que é possível. A sua situação atual não determina o que você vai ser daqui a 10 anos. E as crianças, apesar de muito novas, assimilam muito essa ideia. No final do ano, temos um concurso de redação para as crianças que visitaram. A gente vai lendo as redações e vendo como elas internalizam essa mensagem de uma maneira muito positiva. De que é possível, a transformação através do trabalho.

Então, a gente tem o “Você quer, você pode”, cuidamos do acervo histórico do museu, e das campanhas solidárias do grupo como um todo, no Brasil inteiro. Lançamos a campanha de inverno que é uma campanha interna do grupo, mas somos mais de 40 mil colaboradores no Brasil, então esperamos um resultado bem bacana.

CMN: Como é distribuído o que vocês arrecadam internamente?
Bia: Somos um Grupo que está no Brasil inteiro, muito diversificado. Em Mogi e São Paulo, que é a nossa sede e a nossa matriz, o Instituto mesmo escolhe uma instituição principal. Em Mogi e em São Paulo, que é para onde a gente pode destinar as nossas doações, estamos com o Instituto SOPA, e Instituto GAS, porque esse ano a campanha de inverno é focada em pessoas em situação de rua. O número aumentou muito na pandemia e na época de inverno é muito difícil. No restante do Brasil, o que que a gente faz é capacitar as pessoas nas unidades para que consigam fazer a campanha de uma maneira mais tranquila. Elas têm a autonomia de escolher a entidade social do entorno da empresa, que identificam que são mais próximas, porque um dos objetivos dessa campanha é arrecadar, mas é também que os colaboradores que quiserem, façam esse movimento de aproximar a empresa da comunidade. Eu falo que é olhar além dos muros da empresa.

A gente sabe que gerar empregos, pagar impostos, já é uma coisa social ainda mais no Brasil, mas além disso, estender a mão um pouquinho para uma instituição no entorno da empresa e gerar esse vínculo entre a empresa e a comunidade é muito bacana. A gente coordena essas campanhas da empresa, tem campanha de Natal também e se há algum problema, como por exemplo as vítimas das chuvas no Litoral Norte, acionamos a empresa inteira. O brasileiro tem sido solidário e os nossos colaboradores também fizeram um movimento incrível nessa época, e é o instituto que coordena isso.

Além disso, que é a formação e a gestão de voluntariado desde 2007. Temos o programa chamado Júlio Cidadão, em que a gente forma colaboradores voluntários para serem doutores palhaços em hospitais e asilos. A gente só falhou um ano nesse período por causa da pandemia. Nesse programa, temos o professor Roberto Ravagnani, que é um dos precursores dessa arte de voluntariar em hospitais no Brasil, e está com a gente desde o início. Ele faz uma formação de 50 horas/aula para os voluntários, que tem uma parte que a gente chama teórica, que é em sala de aula com ele, e depois os estágios em que a gente leva para a Santa Casa. Tem sido um programa incrível, eu sou fã confessa desse programa.

CMN: Eu tive oportunidade de conhecer os doutores palhaços numa visita na Vila Dignidade, onde eles fazem uma ação mensal comemorando os aniversários. É um trabalho muito bacana mesmo e o interessante também que é as pessoas, mesmo se desligando da empresa, continuam no projeto.
Bia: O projeto consiste na formação desses voluntários. São 50 horas de aula e é até difícil descrever, porque ele desenvolve habilidades comportamentais, como o autoconhecimento, que é muito importante, a empatia, a compaixão, o protagonismo social. A gente fez uma avaliação do programa no passado para entender se ele estava realmente tendo impacto para as pessoas, para os voluntários, para as entidades e eu entrevistei alguns voluntários e um deles me falou uma coisa que eu carrego comigo até hoje: “O programa é incrível. A formação te transforma com o que você já tem dentro de você”.

É uma formação para quem quer voluntariar. Se a pessoa no final não quiser ser doutora palhaça, ou por alguma razão não puder, a formação em si já capacitou para que ela voluntarie na vida. O que a gente almeja com o programa é que a pessoa se torne a mudança que ela quer ver no mundo. Quando ela se veste de doutor palhaço, ela está efetivamente fazendo um voluntariado, mas a nossa ideia é que mesmo sem aquele avental, sem o nariz, ela saia da cama de manhã sabendo que ela pode fazer uma contribuição no trajeto para o trabalho, no trabalho, em casa. É uma mudança de visão. A formação é muito forte em dinâmicas e vivências com esses doutores. Empatia não é uma coisa que você ensina numa palestra, essa virada de chave você só consegue com dinâmicas muito profundas. Ao longo dessa formação, a gente vai ativando isso nas pessoas, o que elas já têm.

Nessa avaliação com os voluntários, uma delas me falou que era muito negativa e estava começando a ficar deprimida. Ela foi convidada por uma colega para fazer a formação e isso mudou a visão que ela tem da vida. Os doutores palhaços são uma sementinha que a gente quer plantar. A formação é bem séria, inclusive estamos com a turma de 2023 sendo formada. No estágio eles são acompanhados por doutores veteranos para se sentirem mais seguros e começarem a se familiarizar com o ambiente de hospital ou do asilo. Quando eles se formarem, vão receber o certificado de formação e têm liberdade para fazer parte do voluntariado do programa. O Instituto continua fazendo a gestão desse voluntariado, e hoje em dia temos parceria com a Santa Casa de Mogi, com o Hospital Dr. Arnaldo, com a Vila dignidade, o asilo Manoel Maria, a Casa São Vicente de Paula e agora tem um hospital em Itaquera (Zona Leste de São Paulo) e um asilo em Poá. A gente está começando a expandir. Eu brinco que eles têm que levar os doutores, onde os doutores puderem chegar, e esse é o nosso desafio de hoje.

CMN: É um grupo grande hoje?
Bia: Hoje em dia a gente tem entre 40 e 50 voluntários ativos. Depois da pandemia, tivemos uma queda muito grande porque era onde eles não poderiam ir, que é hospital e asilo. A gente tem feito esforços para trazer esse pessoal de volta. Essa turma de 2023 vem forte, e a gente espera formar mais 40, eles estão animadíssimos e é um exército que a gente vai formando mesmo. Eu acho que 40 ou 50 já é uma vitória, porque são pessoas que vão sistematicamente nas visitas. Hoje em dia as pessoas estão muito corridas, o que me dá um alento é que são pessoas que estão formadas e ajudam sempre que podem.

A gente está sempre buscando trazê-los para exercitar o voluntariado por mais que não seja através dos doutores, mas é um trabalho incrível. Eu conseguiu o depoimento de um deles contando como isso ajudou na hora de ser líder, porque hoje em dia a gente não para pra ouvir sem julgar. Imagina um líder que tem essa capacidade. 

CMN: Você acha que eu voluntariado ele cresceu, foi estimulando outros projetos?
Bia: Eu tenho certeza, porque inclusive nessa formação, eles têm tarefas sociais para cumprir para poder receber o certificado, e nisso eles vão percebendo que não precisa ser uma grande ação. A gente tem questões sociais bem pertinho, e às vezes, uma mudança de visão que você ajude um colega já é uma mudança. A gente percebe que eles começam a ficar mais criativos, mais protagonistas. Um dos doutores começou a dar aula voluntária na academia que ele frequentava, a fazer ações para criar um ambiente melhor dentro da academia. Eu acho que é essa semente que a gente tem que plantar. Tem muitas pessoas que fazem a formação porque não sabem como voluntariar e a gente vai mostrar como fazer, desmistificar ficar essa ideia e dar ferramentas, mas as maiores ferramentas são as internas. Você começa a enxergar que você pode contribuir. 

CMN: Às vezes a gente acha que não tem com o que, com o que eu vou ajudar. 
Bia: Desde que o grupo fez a reorganização e virou Grupo Simpar que as nossas campanhas solidárias começaram a ficar nacionais. O papel do Instituto é capacitar as pessoas que estão nas pontas em vários locais do país para que elas possam fazer campanha solidárias, porque são pessoas que estão lidando com logística, com aluguel de carro e que não estão necessariamente como eu na área social, então não é a atividade fim delas. A gente tem conversado com pessoas no Brasil inteiro, com essa facilidade de reuniões online. Para a campanha de inverno, capacitamos online e ao vivo 171 embaixadores. O que a gente percebe é que essas pessoa às vezes nunca tiveram contato com esse campo social, então é através da empresa.

Na campanha de Natal, uma das nossas unidades, senão me engano no Mato Grosso, a gente fez todo treinamento e foi um barato porque eles nunca tinham feito e estavam super receosos. Fomos instruindo, eles foram conhecer a entidade, levaram os alimentos e depois disso naturalmente mantiveram o vínculo com a entidade independente do Instituto. São sementes de transformação que a gente vai vai plantando através do voluntariado, que tem um potencial enorme. Depois que você faz uma ação dessa, você nunca mais volta para trás, é uma coisa que que te chama mesmo. E é um pouquinho de cada vez, a pessoa fazendo dentro do que ela pode.

CMN: O que vocês planejam, quais as ações em andamento? 

Bia: A gente está em plena execução dos planos, recebendo as crianças, cuidando do acervo, e com essas campanhas. Para o futuro, a gente quer consolidar. Nós temos um trabalho bem sério de avaliar os resultados para que a gente continue crescendo e fazendo o melhor. Eu falo que a gente não faz nada para inglês ver, quando a gente faz é para valer. Então, acho que é um crescimento, mas com muita avaliação. Crescer as campanhas solidárias nas unidades em que a gente já está realizando e que eles continuem aderindo as próximas campanhas, mas ampliar também a adesão porque aí a gente vai usar realmente toda essa potência que a gente tem de 40 e tantos mil colaboradores para ajudar as comunidades do entorno.

A gente tem dentro do Grupo uma universidade corporativa online, e agora é começar sistematizar os nossos treinamentos de campanhas para outros locais do Brasil, para que todo mundo tenha acesso, capitalizar o Júlio Cidadão. Eu acho que a gente tem que extrair realmente os maiores aprendizados dessas formações e torná-los acessíveis para outras pessoas, porque elas acontecem presenciais em Mogi. Acreditamos muito nesses projetos. Por exemplo, no ano passado a gente teve uma parceria com a Secretaria de Educação de Mogi e eles fizeram uma formação para professores voltado para educação patrimonial, para usar o patrimônio histórico e cultural de Mogi para ajudar no ensino em sala de aula e o nosso museu foi um dos locais. Nosso objetivo é aprofundar os projetos com maior qualidade possível e capitalizar isso para as outras regiões também.