Em mais um episódio especial dedicado ao Dia Internacional da Mulher, o Café com Mogi News traz uma entrevista especial com a neuropsicóloga Luciana Garcia, da Clínica Sinapses, que fala sobre sua trajetória e o trabalho que realiza voltado para o desenvolvimento infantil. Doutoranda em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), ela também é especialista no Transtorno do Espectro Autista (TEA), que deve ser tema de uma série de reportagens especiais em breve. Por problemas técnicos, a matéria em vídeo será publicada em outro momento. 

Apaixonada por crianças, desde a graduação em Psicologia, Luciana focou seu trabalho no público infantil.  "A gente vai indo para o caminho que a gente tem mais interesse, mais facilidade. Eu fui me especializando, mas dentro da infância e adolescência. Eu atendo adultos, faço avaliação neuropsicológica de adultos, mas o meu forte é o desenvolvimento infantil e adolescência", destacou a entrevistada.

O trabalho com crianças, segundo ela, tem um caráter preventivo, pensando em um futuro mais saudável. Sobre o TEA, Luciana destacou que atualmente há mais informações, o que facilita o diagnóstico. Também por ser classificada como uma deficiência, há direitos garantidos como inclusão nas escolas e filas preferenciais. Veja mais nesta entrevista especial. 

Café com Mogi News: Como você decidiu seguir a área de Psicologia?

Luciana Garcia: Eu não sei dizer, na verdade. Na época do vestibular, meu pai foi transferido e eu fui fazer o terceiro ano em outro lugar. Todos os vestibulares em que eu me inscrevi foi Publicidade e aqui em Mogi, em Psicologia, não sei dizer o porquê. Só prestei aqui e sou completamente apaixonada pela psicologia, já amei desde o primeiro momento da faculdade.

CMN: O seu trabalho hoje é mais focado nas crianças. Como você enveredou pelo desenvolvimento infantil?

Luciana: Os procedimentos que eu realizei durante minha graduação sempre foram mais para o público infantil, porque eu sou apaixonada por criança. Então a gente vai indo para o caminho que a gente tem mais interesse, mais facilidade. Eu fui me especializando, mas dentro da infância e adolescência. Eu atendo adultos, faço avaliação neuropsicológica de adulto, mas o meu forte é o desenvolvimento infantil e adolescência.

CMN: Como você vê a importância desse trabalho? 

Luciana Lima: Nós falamos muito na clínica, que o que acontece na infância, não fica na infância, a gente arrasta para a vida inteira. Eu gosto muito de fazer esse trabalho de prevenção. Ele é fundamental, pensando em tudo que podemos ter na vida adulta. Esse trabalho preventivo, pensando na infância é o que de fato me encanta.

CMN: Mesmo que a criança não apresente nenhum problema, é importante ter esse acompanhamento?

Luciana: Exatamente. Quando a gente consegue identificar algum transtorno já na infância, já começa esse tratamento, o prognóstico é com certeza muito melhor. Nós temos uma plasticidade maior do cérebro, então o tratamento funciona muito mais fácil com a criança.

CMN: Quais transtornos são mais comuns?

Luciana: Hoje o que aparece muito é déficit de atenção, os distúrbios de aprendizagem e o TEA, que é o Transtorno do Espectro Autista. Depois da pandemia, tivemos um aumento muito grande de depressão e ansiedade entre as crianças e os adolescentes. Devido a todo esse isolamento, a gente sabe como o contato social é um dos fatores de proteção para não desenvolver transtornos mentais. O fato de estarem isolados, muitas vezes em um ambiente que não é enriquecido porque a gente não estava preparado para ficar com a criança em casa durante dois anos. Não tem a disponibilidade de estímulos dentro de casa. Os pais estavam em casa com as crianças, mas estavam trabalhando, o que dificultou bastante e a gente tem visto as consequências na clínica.

CMN: O que mostra também a importância do papel da escola no desenvolvimento. 

Luciana: É fundamental. Ainda existe um pouco de preconceito em relação a educação infantil. Eu ainda escuto muito os pais achando que pode faltar na educação infantil, que pode fazer de qualquer jeito, “porque que criança só vai lá para brincar”. Eles não têm ideia da importância que tem desse brincar para o desenvolvimento infantil, para todo o desenvolvimento motor, da linguagem e social. Aprendemos a escrever lá na frente, porque a gente brincou no parquinho durante a educação infantil. Na nossa observação clínica, percebemos a diferença das crianças que frequentaram a educação infantil têm em relação àquelas que não frequentaram. Há muito mais desenvoltura motora, social, de linguagem. A educação infantil é fundamental.

CMN: Você também é especializada em autismo. Os casos aumentaram, há mais descobertas sobre o transtorno? 

Luciana: Eu acho que, de fato, temos mais informação. Há cerca de 10 ou 15 anos, nem ouvíamos falar de autismo, apenas de casos que conhecidos como nível três, que são os mais graves, em que as crianças não desenvolvem, muitas vezes, a fala. Então isso era o autismo. Por que a gente tem um aumento hoje? Porque aumentaram as informações, então aqueles que têm autismo nível um, já conseguimos identificar. Com o aumento de estudos, a gente teve também um aumento de diagnósticos. Há mais instrumentos e informação para conseguir diagnosticar muito mais cedo. Esse diagnóstico era dado com cerca dos seis anos de idade, hoje já é possível com um ano e meio, e em adolescentes e adultos, que também passavam despercebidos. Eram adolescentes e adultos tímidos, com alguma dificuldade, mas eles não recebiam o diagnóstico, então por isso temos visto esse aumento nos casos de autismo.

CMN: Falando do aumento de casos, há um modismo em falar de autismo?

Luciana: Às vezes não há uma boa formação do profissional que faz o diagnóstico. O que a gente tem percebido e tem estudado nas pesquisas e na literatura é um aumento muito grande nesses anos do investimento em tecnologia, e a tecnologia afasta um pouco as pessoas, porque facilita muito a vida. Muitas coisas são resolvidas hoje online ou pelo WhatsApp, e ao mesmo tempo que cresceu o investimento na tecnologia, não houve investimento no social. É natural que as pessoas deixem de desenvolver esse lado social, e muitas vezes essa dificuldade social não significa, necessariamente, um diagnóstico, que é dado muitas vezes de forma errada. A pessoa pode ser tímida, pode ser uma questão da personalidade, então muitas vezes há um excesso de diagnósticos em pessoas que de fato não estão apresentando esse transtorno. É muito importante entender e saber separar o que de fato é um diagnóstico de autismo e o que é uma questão da personalidade.

CMN: Há uma preocupação maior com a causa do autismo, com atendimento preferencial, mais iniciativas de educação?

Luciana: Acho que com esse aumento de diagnósticos e de informações, expandimos, e há pouco tempo também o autismo é considerado como uma deficiência, por isso tem alguns direitos de inclusão nas escolas, filas preferenciais, estacionamento preferencial, tudo por conta desse avanço na disseminação das informações, o que é muito bom. Ainda há muito para avançar, principalmente no que você comentou sobre a educação especial, ainda estamos engatinhando, mas, pelo menos, de alguma forma já está acontecendo, já estão olhando para isso. De fato, a educação inclusiva não acontece hoje nas escolas.

CMN: Como você acha que precisaria ser essa educação? O que falta para ser efetiva?

Luciana: Eu acho que precisamos formar melhores os professores que estão saindo da faculdade e aqueles que já estão atuando. O que a gente encontra muitas vezes é muita boa vontade de alguns profissionais, mas eles não têm formação. O padrão para o tratamento de autismo hoje é a ABA (Análise Comportamental Aplicada), que o pessoal chama no senso comum de Terapia ABA. É uma ciência para a vida, não só para o autismo, mas acho que é fundamental para uma sala de aula, onde temos cabeças pensando diferentes, comportamentos diferentes e não tem essa formação ainda nas escolas. Nos Estado Unidos isso é comum, conseguimos dar conta de muitos problemas dentro da própria escola, porque a gente tem uma equipe multidisciplinar, o que seria outro passo muito importante, assim como uma boa formação dos profissionais que estão cuidando da educação dessas crianças.

CMN: Qual a influência da genética e do ambiente? 

Luciana: Hoje a gente entende que a genética determina muita coisa, mas que a epigenética, que é como esse ambiente atua na genética e como nossa genética vai responder a esse ambiente, é muito importante. Por isso recomendar o diagnóstico e o início de tratamento precoce, porque até os cinco anos de idade o cérebro é muito plástico, então conseguimos melhores resultados. Então além do diagnóstico precoce, é preciso ter uma terapia intensiva, um ambiente doméstico rico em estímulos, que os pais estejam presentes e haja uma interação familiar bacana. Eu gosto muito da questão da criança ir para escola, porque é um ambiente rico de estímulos, e quanto mais rico tornamos esse ambiente, melhor o prognóstico. Também precisamos respeitar a idade da criança, não podemos exagerar nos estímulos porque pode ser tão prejudicial quanto.

CMN: Hoje a gente também tem a campanha, o Abril Azul, que é dedicado a essa causa, com ações importantes.

Luciana: É uma data mundial, presente em todos os lugares. Com a internet hoje, a gente consegue participar de um monte de coisa. Existe essa preocupação da conscientização e nessa época, no dia 2 de abril (Dia Mundial da Conscientização do Autisomo), há muitos cursos gratuitos, muitos congressos online, não tem desculpa para não participar. Por vezes, muitos profissionais ficam esperando cair no colo e se queremos melhorar como pessoa e profissional, a gente também precisa correr atrás.

CMN: Você está à frente da Clínica Sinapses, quais são seus projetos?

Luciana: Neste momento eu quero continuar fazendo o que eu faço na clínica. Eu tenho uma preocupação de ter um número menor de crianças sendo cuidadas, mas com uma qualidade e excelência em atendimento. Quero terminar meu doutorado, porque eu tenho planos para um pós-doutorado na área de desenvolvimento infantil, autismo, necessidades especiais em geral. Minha cabeça não para.

CMN: O aprendizado é constante?

Luciana: É constante, não tem como, principalmente quando trabalhamos com Saúde e Educação porque tudo muda muito rápido, e a gente precisa se atualizar senão realmente não dá conta, fica atrasada. Sem grandes pretensões, eu quero só continuar tendo saúde para fazer o que eu gosto, que é isso, estudar e atender às crianças.

CMN: Qual a mensagem você deixa para os pais que identificam algum transtorno, algum problema no desenvolvimento da criança?

Luciana: Quando os pais percebem algum problema de desenvolvimento, algum tipo de atraso, algo diferente no comportamento, o primeiro profissional que eles costuma buscar é o pediatra, porque o pai da criança pequena não vai procurar já um neurologista, um psicólogo. Às vezes esses pediatras não estão tão preparados para atender esse público. A gente escuta muito ainda nos dias de hoje: “Não, cada um tem o seu tempo. Cada um vai se desenvolver no seu tempo, uma hora a chavinha vira, é só esperar, mãe. Fica tranquila”. Isso não existe.

Se a pessoa percebeu algum atraso, alguma coisa diferente, procure imediatamente um profissional especializado, que é um psicólogo; uma fonoaudióloga, se for um atraso de linguagem; uma neurologista, porque a gente sabe que existe um desenvolvimento muito grande da criança de zero a três anos. De zero a três anos, desenvolvemos 80% do nosso cérebro, depois a gente vai refinando. Então quanto antes procurar, melhor a gente consegue atuar nesse cérebro e ensinar as habilidades para essa criança e novos comportamentos. Meu recado é: Não espere! Parta para a ação porque os resultados vão ser sempre muito melhores.

CMN: E como vencer a resistência dos pais em procurar ajuda?

Luciana: Acho que todas essas ações, inclusive perto do dia 2 de abril, que é o Dia Mundial de Conscientização Sobre o Autismo, ajudou muito a informar esses pais e, de repente, acabar até um pouco de preconceito, mas é muito importante a gente entender que é difícil ter a confirmação de um diagnóstico. Os pais têm uma resistência muito grande e eles adiam a busca por um profissional. Mas, como eu disse, temos um desenvolvimento muito rápido na infância, de zero a três anos, e depois até os seis anos ainda tem um desenvolvimento que é um pouco mais rápido, e quando a gente consegue diagnosticar e atuar nessa dificuldade dentro desse período, a gente tem um prognóstico muito melhor para essa criança.

O que eu diria aos pais é que não adiem a busca pelo profissional, porque podemos descobrir também que não é exatamente um diagnóstico, mas um pouco de estimulação já dá conta, mas é importante buscar a avaliação correta para saber o que a gente precisa fazer e buscar: se uma aula, um esporte, se é arte, se a gente precisa colocar a criança em algum lugar para socializar, ou se de fato vai precisar de terapias especializadas, e isso a gente só vai conseguir a partir de uma avaliação bem feita.

(Colaborou Geraldo Campos)