O secretário-geral da ONU apelou à realização de uma investigação independente sobre a morte de palestinos perto de um centro de distribuição de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, neste domingo (1°). A agência de defesa civil afirmou nesta terça-feira (3) que pelo menos 27 pessoas morreram no sul do enclave quando as tropas israelenses voltaram a abrir fogo. Também nesta terça-feira, o diretor-geral do Hospital Nasser, em Khan Younis, afirma que 24 pessoas morreram e 37 ficaram feridas “em consequência de disparos por arma de fogo pelas forças israelenses contra multidões de civis” que aguardavam ajuda em Rafah. Testemunhas relataram que foram alvejadas enquanto esperavam por alimentos no centro de Rafah, gerido pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF), apoiada pelos EUA e por Israel. A Cruz Vermelha informou que seu hospital recebeu, no domingo, 179 feridos, 21 dos quais morreram. A agência de Defesa Civil, comandada pelo Hamas, calculou o número de mortos em 31. Pontos de distribuição No domingo, o Gabinete das Nações Unidas para os Assuntos Humanitários (Ocha) publicou um vídeo filmado perto de um dos locais de distribuição no centro de Gaza. As imagens mostram uma multidão desordenada que se aglomera em torno de quatro corredores delimitados por vedações metálicas no meio do que parece ser um terreno baldio, rodeado ao longe pelas ruínas de edifícios. Alguns dos guardas de segurança, junto a veículos blindados, falavam com os palestinos em inglês. O local de distribuição estende-se entre montes de terra e areia. Ainda no mesmo vídeo, são visíveis imagens de pessoas que se empurram umas às outras. No mesmo dia, o exército israelense negou que as suas tropas tenham disparado contra civis perto ou dentro do local e disse que as informações nesse sentido eram falsas. Já a GHF afirmou que os relatos eram “pura invenção” e que ainda não tinha visto provas de um ataque nas suas instalações ou nas suas proximidades. “Estou chocado com os relatos de palestinos mortos e feridos enquanto procuravam ajuda em Gaza”, afirmou na rede social X o secretário-geral da ONU, António Guterres. “Apelo a uma investigação imediata e independente sobre estes acontecimentos e à responsabilização dos seus autores”. Na mesma rede social, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel respondeu classificando os seus comentários como uma “vergonha” em uma publicação no X e criticou-o por não mencionar o Hamas. Bloqueio A situação humanitária é desastrosa na Faixa de Gaza, onde um bloqueio que dura mais de dois meses, parcialmente aliviado na semana passada, agravou a escassez de alimentos, medicamentos e outros bens essenciais.  Na segunda-feira, Volker Türk, chefe dos direitos humanos da ONU, disse à BBC que a forma como a ajuda humanitária está sendo prestada é “inaceitável” e “desumanizante”. "Penso que isto demonstra um total desrespeito pelos civis. Imaginem as pessoas que estão desesperadas por comida, por medicamentos, há quase três meses, e depois têm de correr para os obter ou tentar obtê-los nas circunstâncias mais desesperadas", disse ele ao programa Newshour da BBC. “Isso mostra uma enorme desumanização das pessoas que estão desesperadamente necessitadas.” Vítimas De acordo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), o hospital de campanha em Rafah recebeu um “afluxo maciço de vítimas”, com 179 casos, incluindo mulheres e crianças, no domingo. A maioria sofreu ferimentos de bala ou de estilhaços, e 21 foram declarados mortos quando chegaram, informou, acrescentando que “todos os pacientes disseram que estavam tentando chegar a um local de distribuição de ajuda”. Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) afirmaram que suas equipes no hospital Nasser, em Khan Younis, também trataram pessoas com ferimentos graves, algumas das quais se encontravam em estado crítico. Segundo a organização, os pacientes “relataram ter sido alvejados por todos os lados por drones, helicópteros, barcos, tanques e soldados israelenses”, e que o irmão de um membro da equipe foi “morto quando tentava receber ajuda do centro de distribuição”. As Forças de Defesa de Israel (IDF) emitiram um comunicado no domingo à tarde, segundo o qual um inquérito inicial indicou que suas tropas “não dispararam contra civis quando estes se encontravam perto ou dentro do local de distribuição de ajuda humanitária e que as informações nesse sentido são falsas”. Distribuição de ajuda O porta-voz do exército, o brigadeiro Effie Defrin, acusou o Hamas de "espalhar rumores" e de "tentar, de forma brutal e violenta, impedir a população de Gaza de chegar aos centros de distribuição". Já na segunda-feira, as autoridades sanitárias e os meios de comunicação social de Gaza informaram que outros três palestinos foram mortos por fogo israelense perto do mesmo centro GHF, na região de Tal al-Sultan, em Rafah. Um porta-voz da Cruz Vermelha disse à Associated Press que seu hospital de campanha em Rafah recebeu 50 feridos, a maioria com ferimentos de bala e estilhaços, incluindo dois declarados mortos quando chegaram, enquanto o hospital Nasser, na vizinha Khan Younis, disse ter recebido um terceiro corpo. O exército israelense afirmou em comunicado que “foram disparados tiros de aviso contra vários suspeitos que avançaram na direção” das tropas a cerca de um quilômetro do local. Os militares acrescentaram que estavam “cientes de relatos sobre vítimas e os detalhes do incidente estão sendo cuidadosamente analisados”. Também na segunda-feira, a Defesa Civil informou que 14 pessoas, incluindo seis crianças e três mulheres, foram mortas em um ataque israelense a uma casa na cidade de Jabalia, no Norte do país. Segundo a Defesa Civil, mais de 20 pessoas estariam desaparecidas sob os escombros do edifício destruído. O IDF não comentou o ocorrido, mas afirmou em um comunicado que seus aviões tinham atingido dezenas de alvos em Gaza no último dia, incluindo "estruturas militares pertencentes a organizações terroristas", túneis subterrâneos e armazéns de armas. Em comunicado na segunda-feira, o GHF afirmou que os relatórios eram “os mais flagrantes em termos de fabricação e desinformação alimentados pela mídia internacional”. "Não houve feridos, mortos ou incidentes durante as nossas operações de ontem. Ponto final. Ainda não vimos qualquer prova de que tenha havido um ataque nas nossas instalações ou perto delas". O embaixador dos Estados Unidos em Israel, Mike Huckabee, acusou os principais meios de comunicação social de “reportagem imprudente e irresponsável” sobre o assunto. “A única fonte para estas histórias enganadoras, exageradas e totalmente fabricadas veio do Hamas, que foram concebidas para alimentar as chamas do ódio antissemita que está, sem dúvida, contribuindo para a violência contra os judeus nos Estados Unidos”, acrescentou. Bloqueio Israel impôs um bloqueio total à Faixa de Gaza em 2 de março e retomou a sua ofensiva militar duas semanas mais tarde, pondo fim a um cessar-fogo de dois meses com o Hamas. Segundo Israel, estas medidas destinavam-se a pressionar o Hamas para libertar os 58 reféns ainda detidos em Gaza, dos quais pelo menos 20 estariam vivos. Em 19 de maio, as forças armadas israelenses lançaram uma ampla ofensiva que, segundo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, levaria as tropas a “assumir o controle de todas as regiões” de Gaza. No dia seguinte, afirmou que Israel iria também aliviar temporariamente o bloqueio e permitir a entrada de uma quantidade “básica” de alimentos em Gaza. Israel lançou uma campanha militar em Gaza em resposta ao ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, no qual cerca de 1,2 mil pessoas foram mortas e 251 outras feitas reféns. Desde então, pelo menos 54.470 pessoas foram mortas em Gaza, incluindo 4.201 desde que Israel retomou a sua ofensiva, de acordo com o Ministério da Saúde do território, gerido pelo Hamas. Relacionadas ONU condena novo sistema de ajuda em Gaza: "indigno e perigoso" Ataque israelense deixa mortos perto de ponto de ajuda em Gaza Ataques israelenses matam palestinos que protegiam caminhões de ajuda